segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Candelárias


Não és ainda em mim palavra

mas já as minhas mãos

ardem de sede

embora não cace em estepes

também conheço o fogo da ausência

a sede da luz que alimenta

Caracas, 10-02-2011

Señorita:

Muchas gracias por sus complimentos.

Neste exílio auto-imposto recordo as últimas palavras que pronunciaste. O teu olhar azul de tão verde enquanto permanecias intacto no horror de te saberes inteiramente presente em mim. Nesse olhar tacteio ainda o sabor dos peixes que podemos alcançar com a mão nesse paraíso de águas claras e areia quente onde quiseste recuperar as tuas memórias de infância. Por ironia de caminhos e descaminhos em que tu próprio, teu inimigo primordial, te perdeste, estás num outro local e sou eu que estou aqui.

Neste passo de dança revisito todas as tuas fugas. O corpo, tenso e nu sob o sol, desfaz-se em suor enquanto recordo os trajectos de amor que me ensinaste. Este país é quente para além do limite de tudo o que nos impusemos – a ausência e a distância.

Estoy muy enamorado de tus palabras.

Nos teus olhos descubro então o pulsar deste corpo. Num passo de dança, coloco todo o murmurar que fabricámos em conjunto. Cada movimento de dança que teço passo-a-passo é uma redoma de maravilhas que reflecte tudo aquilo que me trouxeste.

De alguma forma, a chama apenas preenche o meu vazio orvalhado de lágrimas com desejo. Desconheço o que pensas. Os teus olhos estão agora encerrados num labirinto próprio de onde apenas emerges para te esquivares a instrumentos rombos e a tentativas de agressão. Desde que ela te assolou a vida com o abandono cálido da sua presença, deixando-te só com um filho de 3 meses, ficaste imune ao flagelo do amor. Ainda mantenho a esperança de me reinventar fora deste espaço que me aprisiona.

E, contudo, existimos. Nos meus sonhos, por vezes partilhados a dois com um intervalo de 2 anos, aproximo-me do paraíso revelado pelos olhos onde estridulam muitos pássaros estranhos-azuis-verdes-selvagens e converto-me numa ave que grita

Sou um pássaro-de-fogo-no-vento

e quando me dizem vox populi

- Olha!

(quando me contam que és um criminoso: que trazes contigo as insígnias da morte: que bates em pessoas indefesas: que despojas os outros do que é sua legítima propriedade)

não concilio essa imagem com a da pessoa que me desvenda com tanto desvelo sob o auspício de um luar longo como a infância

Fantasio acerca de um irmão gémeo, uma espécie de génio mau que te acompanha e comete os actos vis por ti. Relembro o espírito de Sólon: não te associes com pessoas que fazem coisas vis e descreio do ser em que me transformo quando estamos juntos.

passo-a-passo jogo com este dentro-e-fora-de-mim

sou-eu/sou-outra

quando os teus olhos se debruçam sobre mim, quando as palavras por dizer se resumem a dois corpos entretecidos que indefinidamente adiam a morte evitando a procriação – e nada em toda a cultura em todo o saber em toda a beleza me prepara para essa rejeição

quando o compasso morre de tédio e se converte num passo

passo-a-passo figuro o amor como um infindo esmaecer da nossa vontade

passo-a-passo me desfaço na espuma das rosas

e me enlaço nesse azul de tão verde

o corpo sua frenético na sua sede de ti.

espero ainda

Amanhã serei outra luz.

Até sempre.


Esta carta foi enviada para o II Concurso de Cartas de Amor Alusivas a São Valentim promovido pela Biblioteca Municipal Laureano Santos em Rio Maior. Este ano apenas tive direito a um certificado de participação.

Tua

Sereia